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A morte de Odair Moniz e a revolta dos bairros da periferia de Lisboa

Morte desencadeou incidentes em várias comunidades da Área Metropolitana de Lisboa, com autocarros, automóveis, motos e caixotes do lixo incendiados

O ano de 2024 ficou marcado pela morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP na Cova da Moura, na Amadora, que desencadeou a revolta, nalguns casos acompanhada por distúrbios, em vários bairros da periferia de Lisboa.

As circunstâncias da morte do cidadão cabo-verdiano de 43 anos, residente no Bairro do Zambujal, também no concelho da Amadora, continuam por esclarecer, desconhecendo-se os resultados dos inquéritos abertos quer pela própria PSP, quer pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Segundo a Polícia de Segurança Pública (PSP), na madrugada de 21 de outubro, Odair Moniz, que seguia de carro, pôs-se “em fuga” após ver uma viatura policial e despistou-se no Bairro da Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.

Na operação, foram disparados quatro tiros e Odair Moniz morreu, pouco depois, no hospital.

O agente de 27 anos que o baleou foi constituído arguido, estando atualmente de baixa médica. Foi chamado pelo Ministério Público no dia 11, mas, segundo fonte judicial, optou por não prestar declarações, já que a defesa ainda não teve acesso ao processo.

À saída, o seu advogado indicou que havia uma arma branca no local do crime e, posteriormente, uma fonte judicial disse à Lusa que a arma foi apreendida pelas autoridades e consta do processo.

A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa têm contestado a versão policial e exigiram uma investigação “séria e isenta” para apurar responsabilidades, considerando estar em causa “uma cultura de impunidade” nas forças de segurança.

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, pediu à IGAI um inquérito “com caráter de urgência” sobre o que considerou ser um “infeliz incidente”, confiando que as forças de segurança “não são racistas ou xenófobas”. Também no âmbito do processo da IGAI o agente foi já notificado para prestar esclarecimentos.

Segundo a família de Odair Moniz, uns dias após a sua morte, a PSP entrou à força na sua casa no Zambujal, onde se cumpria o ritual do luto, causando danos psicológicos e materiais.

A polícia negou ter invadido a habitação, mas a família apresentou queixa contra o Comando Geral da PSP por crimes de abuso de poder, dano e violação de domicílio por funcionário.

A morte de Odair Moniz desencadeou incidentes em várias comunidades da Área Metropolitana de Lisboa, com autocarros, automóveis, motos e caixotes do lixo incendiados, dos quais resultaram em cerca de duas dezenas de detidos e pelo menos seis pessoas feridas, umas das quais com gravidade (o motorista de um autocarro). Já em novembro e dezembro, foram anunciadas novas detenções, com pelo menos quatro suspeitos a ficar em prisão preventiva.

O caso dividiu opiniões – como o demonstram as duas campanhas de angariação de fundos criadas, uma para a família de Odair Moniz, outra para o motorista ferido – e colocou na agenda o problema do racismo estrutural e sistémico, as condições de vida nos bairros e as políticas públicas implementadas nesses territórios, a relação entre as forças de segurança e as comunidades e as condições de atuação da própria polícia.

Em 26 de outubro, milhares de pessoas desceram a Avenida da Liberdade, em Lisboa, respondendo à manifestação convocada pelo movimento Vida Justa para homenagear o cidadão cabo-verdiano, denunciar a violência policial e clamar que “sem justiça não há paz”.

Uns dias depois, o Governo convocou associações representativas das comunidades da área de Lisboa “para dialogar” e ouvir as suas propostas de combate ao racismo e à violência policial.

Sem apresentar medidas concretas, o executivo prometeu apoios para habitação, saúde e educação, para melhorar a vida concreta das pessoas dos bairros.

Um mês após a reunião, as associações não tinham voltado a ser contactadas pelo Governo, o que as levou a denunciar o convite ao diálogo como “uma manobra política”.

Em 24 de novembro, três centenas de pessoas participaram na primeira Assembleia Popular do Bairros, organizada pelo Vida Justa em Lisboa e que aprovou um plano de ação incluindo a realização de um novo encontro, ainda sem data marcada.

Até lá, o movimento vai organizar uma Grande Marcha dos Bairros, durante os meses de março e abril de 2025, percorrendo os territórios da Área Metropolitana de Lisboa “com manifestações e ações políticas”.

O plano de ação aprovado defende o direito à habitação, o fim dos despejos e das denominadas Zonas Urbanas Sensíveis, e mais creches e espaços verdes nos bairros.

Dezembro 14, 2024 . 16:00

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