Fadista de alma madura não descarta a economia como profissão
No auge dos 58 anos, Eulália Lopes, natural de São Martinho da Gândara, freguesia do município de Oliveira de Azeméis, continua a carregar a herança do fado deixada pela mãe, que, não tem dúvidas, podia ter-se tornado numa Amália, por conta da sua voz poderosa e infindável, se não fosse o lado emocional ter prejudicado uma possível carreira de sucesso.
Ao seu lado, ainda criança, a são-martinhense aprendeu algumas das estruturas melódicas do fado, responsáveis por não a fazerem desistir da arte, considerada Património Imaterial da Humanidade.
Em simultâneo com a música, a análise e compreensão da atividade económica pauta, há cerca de 34 anos, a vida de Eulália Lopes, profissão escolhida para garantir a estabilidade financeira, ao contrário do fado que acredita ser uma arte «momentânea» e «instável».
O mercado de trabalho e a ânsia artística
Investir numa carreira sustentável sempre esteve nos planos de Eulália Lopes, motivo que a levou a enveredar por uma licenciatura em economia, na cidade invicta. Durante os cinco anos académicos, na altura, período obrigatório para concluir a formação, a são-martinhense deixou de cantar o fado e dedicou o tempo aos estudos, mesmo sabendo que a música era um dos seus grandes refúgios.
Terminado o curso, a economista não demorou muito até conseguir exercer a profissão, numa empresa, a prestar serviços para outrem, onde se manteve cerca de 12 anos. Após o processo de aprendizagem, conseguiu o grande feito de se estabelecer por «conta própria», referiu a entrevistada, sublinhando ter aberto um «Gabinete de Contabilidade», em Vila Nova de Gaia,onde trabalhou em regime de “part time” durante duas décadas.
Porém, a época da pandemia veio colocar em causa o talento para as fórmulas. «Comecei a questionar se era melhor trabalhar por conta própria ou ao serviço de outros», mencionou a profissional, destacando o sentimento de solidão, pois trabalhar sozinha há vários anos «não deixa de ser uma grande monotonia», concluiu.
Atualmente, a trabalhar na Casa Rios, em Fermelã, freguesia do município de Estarreja, a contabilista contou ao Diário de Aveiro que continua a gostar de exercer a profissão, mas quando chegar à altura da reforma, «vou fazer o que mais gosto, cantar e dar aulas de Yoga», esta última uma paixão que surgiu há quase 20 anos.
A herança do fado e as viagens ao passado
Sem pensar ser artista profissional, por conta do que a arte exige, a entrevistada divulgou que o passo para mudar esse pensamento talvez tenha estado na «falta de oportunidades», sendo que o ciúme dos fadistas foi o principal causador do desânimo, uma vez que, não se revê nestes comportamentos. Tudo isto era notório quando a são-martinhense começou a cantar aos domingos à tarde no «Monte Aventino», designado a Catedral do Fado, no Porto, onde «fui muito criticada», proferiu, destacando existirem pessoas que «se faziam de minhas amigas, mas não eram, apenas aproveitavam o sucesso que estava a ter».
As avaliações negativas estavam centradas na voz da artista, quando «diziam que não sabia cantar», o que a levava ao choro compulsivo durante as viagens de carro de regresso a casa. Ainda assim, desistir nunca foi opção, sempre muito consciente de que este é um meio exigente a muitos níveis.
Para continuar a ler este artigo
nosso assinante:
assinante: