
O fogo já não arde, mas ainda queima
Há memórias que não desaparecem, como tatuagens na pele. Maria da Conceição, de 76 anos, está atrás do balcão da sua mercearia, em Espinheira. A loja do Largo da Feira dos 22 cumpre a mesma função, naquela pequena aldeia, que os bazares chineses ou os hipermercados nas grandes cidades - vende quase tudo. No balcão, em prateleiras ou pendurados por arames no tecto, vêm-se vassouras, frigideiras, guarda-chuvas, garrafas de águas, Chocapic. Esta mulher baixinha e com o cabelo tingido de preto fala com despreocupação de trivialidades, como o tempo ou o preço do café. «Custava 65 cêntimos, mas aumentei para 70», diz. Mas, mal dirigimos a conversa para os incêndios de há seis meses, os mais violentos dos últimos anos na região, o seu rosto ganha a tensão própria de quem tem os pensamentos ocupados com as coisas sombrias da vida.
Perguntamos-lhe em que dia o grande fogo rodeou a aldeia. Não pensa na resposta, ela surge automática como se lhe tivéssemos perguntado o nome ou a data de nascimento: «17 de setembro, lembro-me bem». É uma data que ninguém esquece.
Percorremos terras como Espinheira, Samuel, Fradelos, Gavião, Sobreiro ou Frias de Baixo - a rota do fogo. Ninguém em nenhum lugar evoca aquele dia sem um estremecimento mórbido.
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