
“Pela Lente Do Repórter”, um livro de poesia para desassossegar quem o lê
Diário de Aveiro: Entre romance e poesia, a poesia pesa mais?
Josefa de Maltesinho (Pseudónimo de Julieta Aleluia): Namoro mais a poesia, é inequívoco, a deusa acedia-me a tal ponto que eu acabo sempre rendida aos seus encantos, mas não sei dizer se será porque tem mais peso na minha vida. Sei, isso sim, que tanto a prosa como a poesia me fascinam e vestem a vida de um arco-íris difícil de encontrar noutro qualquer céu. Escrever um romance, pesquisar horas a fio, tecer-lhe a teia, as personagens, ter o seu destino nas nossas mãos, é aliciante. Já na poesia nada há de ficção, ela brota de dentro de nós, despojada de enredos, como se um rio a correr através dos sentires com que vemos e auscultamos o mundo que nos rodeia. Tantas vezes em ferida aberta, em situação de caos. Se não falamos de nós, de tudo o que nos habita como indivíduos singulares, falamos do outro, do que nos é dado ver ou simplesmente adivinhar. Nestas lides somos bons a adivinhar, porque sendo diferentes, somos todos iguais naquilo que há de mais intrínseco no ser humano. Claro que podemos igualmente inventar personagens, mas elas virão sempre guiadas pelas nossas vivências e sentires próprios. Talhadas à nossa semelhança. Talvez na ânsia da expurgação, tudo isso se atire para o papel por impulso, na busca de um alívio necessário. Acredito que sim. E estão muito enganados todos os que pensam ser a poesia uma brincadeira de escrever sobre o joelho, não, ela é coisa séria e de muita luta, rouba-nos imensas horas de sono, até se dar por satisfeita com o resultado final. Acreditem, não é fácil.
“Pela Lente Do Repórter” é mais um livro de poesia. Como o definiria?
A essência deste meu mais recente livro de poesia, “Pela Lente Do Repórter”, é precisamente aquela que referi na questão anterior. Vivemos num mundo pelo qual também somos responsáveis, quer queiramos quer não, governado por más escolhas, alardeado por silêncios e muita indiferença pelo sofrimento alheio, atolado em guerras, ódios diversos, negociatas da pior espécie. Como me é impossível permanecer indiferente a tudo isto, lá vem a poesia de dentro de mim a adivinhar-me os pensamentos e a reivindicar por um lugar de palanque no papel. E eu faço-lhe a vontade, que também é a minha: a de querer desassossegar quem a lê. Serve de alguma coisa? Talvez não, talvez sim, por pouco que isso seja.
Porque o escreveu? O que a inspirou?
Escrevi-o pela necessidade que senti de tocar com dedos de agarrar à força, que seja, um assunto que me aflige de sobremaneira. E a poesia também serve para essa empreitada. As suas flores também florescem pedras no nosso caminho. É bom que assim seja. E que as saibamos transpor.
Quem, de boa-fé, pode ficar impassível perante as horríveis imagens que diariamente nos chegam através dos meios de comunicação. A propósito ou a despropósito, também acontece; aquela luta pelas audiências que nem sempre olha a meios para atingir os fins, outra questão pertinente. E nós, aqui, sem podermos fazer nada a não ser assistir, lamentar, refilar entre quatro paredes.
O que acrescenta ao seu percurso literário?
Será apenas mais um livro a acrescentar aos que já escrevi e aos que ainda tenho como objetivo escrever, assim a vida não me troque as voltas. Dele, posso afiançar que, tal como todos os outros já editados, nasceu de uma “relação conturbada”, fruto de um mundo em colapso e um espírito inquieto, pouco acomodado, por convicção, aos sofás da vida.
Já deixar de escrever ou aprisionar o que escrevo numa gaveta, não faria qualquer sentido para mim. Se escrever começa por se definir como sendo um ato de solidão tão consentida quanto desejada, depressa passa a ser algo com absoluta necessidade de partilha.Sentir que entre a minha escrita e os leitores se forma um elo de ligação, um eco que se cruza em determinado ponto, é-me incrivelmente gratificante, enquanto poeta.
Porquê o título “Pela Lente Do Repórter”?
O título torna-se evidente para quem ler o livro. Através da lente do repórter chega-nos o mundo, todas as cores com que se pinta, desde a mais negra à mais colorida. Sem ela viveríamos numa enorme ignorância e eu talvez não tivesse tido material nem inspiração para escrever esta obra. Quero aqui deixar a mais sincera e profunda homenagem àqueles que, em qualquer palco de catástrofe, diariamente arriscam com enorme coragem a vida para nos fazerem chegar todas as atrocidades praticadas pelos homens contra o seu semelhante e a natureza, a casa maior. São eles os primeiros a denunciar, tantas vezes pagando com aquele preço demasiado alto, no qual ninguém quer pensar. Um bem-haja a todos eles.
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