Estudo poderá facilitar deteção precoce do cancro do pâncreas
Investigadores da Fundação Champalimaud detetaram lesões pancreáticas pré-malignas com ressonância magnética (RM), pela primeira vez, o que poderá “abrir caminho” para a deteção precoce e não invasiva do cancro do pâncreas, anunciou hoje a instituição.
O estudo que demonstra, “pela primeira vez, que uma forma particular de RM é capaz de detetar de forma robusta lesões pré-malignas no pâncreas” é divulgado hoje na revista científica Investigative Radiology.
O cancro do pâncreas, a terceira principal causa de morte por tumor maligno nos Estados Unidos e a sexta em Portugal, é de difícil diagnóstico, indicando dados do Instituto Nacional do Cancro norte-americano que a taxa de sobrevivência a cinco anos é estimada em 44% quando a doença está localizada e em cerca de 3% quando há metástases.
Não só os seus sintomas “não são específicos”, sendo “facilmente confundidos com os de outras doenças”, como normalmente aparecem quando o cancro já se encontra “numa fase avançada e inoperável”, indica um comunicado da fundação.
Quanto às lesões que podem anteceder o cancro do pâncreas – “a maioria desenvolvem-se a partir de uma lesão precursora chamada neoplasia intraepitelial pancreática (PanIN)” –, o problema é a “ausência de ferramentas de diagnóstico não invasivas para a deteção precoce” das mesmas.
“Noventa e cinco por cento dos cancros do pâncreas são os chamados adenocarcinomas ductais pancreáticos”, a maioria dos quais ligados à PanIN, o que explica a importância da sua deteção “para diagnosticar a doença numa fase inicial”.
Tal permitiria ainda “a investigação da biologia das PanIN e da génese dos tumores pancreáticos nos seres humanos”.
A “necessidade urgente de desenvolver métodos de imagem para o diagnóstico e a caracterização de PanIN, o que poderia permitir um diagnóstico precoce antes da instalação do cancro do pâncreas” foi o objetivo do novo estudo, liderado por Noam Shemesh, investigador principal do laboratório de RM Pré-clínica da Champalimaud Research, e por Carlos Bilreiro, médico radiologista do Serviço de Radiologia do Centro Clínico Champalimaud.
Os investigadores descobriram que é possível detetar PanIN usando uma forma de ressonância magnética denominada “imagem por tensor de difusão” (DTI na sigla em inglês), tendo obtido, segundo a fundação, “resultados de imagiologia empolgantes”.
Este tipo de ressonância magnética “não é um método novo”, sendo “normalmente utilizada para obter imagens do cérebro”, refere Noam Shemesh, citado no comunicado, acrescentando que, no entanto, “nunca foi aplicado no contexto das lesões precursoras do cancro do pâncreas”, tendo sido de Carlos Bilreiro, o primeiro autor do estudo, a ideia de o fazer.
Os líderes da investigação tentaram então “descobrir qual o método de RM que poderia contrastar PanIN, distinguindo-os dos quistos pancreáticos simples e benignos” e, tendo em mente a utilização clínica, “a estratégia mais eficiente era, de facto, testar um método que já existe, em vez de desenvolver algo completamente novo – e não validado”.
Utilizando a DTI, a equipa “conseguiu detetar (…) as alterações microestruturais que caracterizam PanIN em amostras de tecido pancreático e ‘in vivo’ em ratinhos transgénicos propensos a desenvolver estas lesões”.
Além disso, foram obtidas “amostras de doentes” e o estudo mostra que “os resultados se generalizam aos humanos”, diz Shemesh.
“Acredito que este estudo representa um marco na investigação de lesões pré-malignas do cancro do pâncreas”, salienta, por seu turno, Carlos Bilreiro, citado no comunicado.
“Conseguimos agora detetar estas lesões em animais e perceber melhor como o cancro do pâncreas se desenvolve. Também sabemos que a DTI é igualmente eficaz no pâncreas humano. Quanto à sua aplicação clínica, vão ser necessários novos estudos que adaptem a técnica ao contexto clínico e que explorem possibilidades interventivas ou de vigilância em lesões pré-malignas. Este estudo representa assim um primeiro passo para a deteção precoce do cancro do pâncreas com ressonância magnética, ainda antes do cancro se desenvolver.”
Shemesh, que destaca a importância deste tipo de colaboração, refere que o projeto levou anos a ser desenvolvido e envolveu “um grande esforço e uma enorme quantidade de trabalho”, mas considera que “no final valeu a pena e acabou por ser muito, muito empolgante”.